NUNEZ RIBEIRO
A vida de um marrano: Samuel Nuñez Ribiero
A vida de um marrano: Samuel Nuñez Ribiero índice
Por Nissan Mindel
Certamente você já ouviu
falar da 'Era Dourada' dos judeus da Espanha, há quase mil anos. Foi na época em
que a Espanha era governada pelos árabes. Muitos judeus notáveis e famosos,
talmudistas, poetas, filósofos e músicos floresceram na Espanha naqueles dias.
Rabi Moshe ben Maimon, Rabi Judah Halevi, Rabi Moses ben Nachman, Rabi Avraham
ben Ezra, Rabi Solomon ibn Gabirol, Rabi Joseph In Migash são apenas alguns dos
vultos famosos de nossa História. Muitos judeus também ocuparam posições
importantes nos assuntos de Estado, como conselheiros ou ministros dos
governantes árabes, os Califas, como Hasdai ibn Shaprut, Rabi Samuel Hanagid, e
outros.
Os estadistas e financistas judeus, bem como os mercadores e
artesãos, ajudaram a desenvolver o comércio e a indústria do país. Havia famosas
academias talmúdicas (yeshivot) nas comunidades judaicas espanholas, e os judeus
viviam felizes, tanto material quanto espiritualmente. Este feliz estado de
coisas durou por cerca de duzentos anos, e então veio o trágico fim. Primeiro
houve uma mudança nos governantes árabes, que deixaram de ser amigos dos judeus.
Então a Espanha passou gradualmente a ficar sob o domínio dos cristãos, que
expulsaram os árabes e se tornaram os novos governantes.
Pois nem bem o
reinado cristão foi firmemente estabelecido na Espanha, e começaram os terríveis
tempos para os judeus. Monges fanáticos espalharam o ódio contra os judeus que
não aceitavam a fé cristã. Havia libelos de sangue e ataques contra judeus.
Estes tiveram de fazer uma terrível opção: a cruz ou a espada. Embora muitos
judeus preferissem morrer por sua fé, outros não tiveram a força de fazê-lo, e
se tornaram "cristãos" apenas no nome, praticando secretamente sua fé judaica.
Eram chamados "Marranos" (porcos, em espanhol) pelos cristãos, que os
desprezavam e odiavam. Os líderes da Igreja começaram a vigiá-los, e
estabeleceram um tribunal secreto, a Inquisição, onde os Marranos suspeitos eram
torturados para serem forçados a confessar sua lealdade à fé judaica. Então eram
queimados vivos em praça pública, para espalhar o terror entre os outros
Marranos.
Apesar disso, os Marranos demonstraram imensa coragem, e
continuaram a praticar sua fé secretamente nos porões de suas casas. Eles
casavam-se apenas entre si mesmos, e permaneciam fiéis à religião de seus
ancestrais. À medida que aumentavam as perseguições contra os judeus, crescia o
número de Marranos. A Inquisição decidiu que enquanto houvessem judeus na
Espanha, os Marranos não assimilariam com os cristãos, e de qualquer maneira os
judeus não eram mais desejados na Espanha. E então, quando o Rei Fernando e a
Rainha Isabel de Espanha uniram todos os cristãos sob seu governo, foram
persuadidos pela Inquisição a expulsar os judeus do país.
Em Tishá Beav
de 5252 (1492), os judeus da Espanha foram expulsos do país; somente aqueles que
concordavam em se tornar cristãos tiveram permissão de ficar. Cerca de 150.000
judeus deixaram suas casas e seus pertences para trás, e saíram da Espanha. Isso
foi tudo que restou dos judeus que certa vez tinham vivido tão felizes naquele
país. Muitos deles encontraram refúgio no país vizinho, Portugal, mas após cinco
anos foram expulsos ainda mais cruelmente daquela nação. Os Marranos continuaram
a levar a vida como antes, e a Inquisição teve muito o que fazer nos séculos
seguintes.
Daremos aqui a história de uma famosa família de Marranos,
cerca de duzentos anos após a expulsão da Espanha e Portugal.
Os Marranos
daqueles países, vivendo em constante terror, tinham apenas uma esperança:
escapar para algum país amigo para jogar fora aquele odioso disfarce e viverem
abertamente como judeus.
Assim ocorria com a família Nunez. Durante
muitas gerações, esta família mantivera sua fé judaica em segredo, e alguns
membros da família tiveram morte violenta nas mãos da Inquisição. (Clara Nunez
foi queimada em Sevilha, Espanha, em 1632, e no mesmo ano Isabel e Helen Nunez
também foram condenadas à morte por sua lealdade à fé judaica). Um ramo da
família, que vivia em Portugal, estava entre as mais conhecidas famílias nobres.
Embora vivessem quase 250 anos depois da Expulsão da Espanha e Portugal, esta
família ainda observava secretamente a religião judaica. Era liderada por Samuel
Nunez, nascido em Portugal, e que se tornara um famoso médico. Fora nomeado
Médico da Corte do Rei de Portugal. Além dos serviços que prestava à família
real, toda a nobreza considerava um privilégio ser atendido por ele. O Dr. Nunez
não era requisitado apenas como profissional, como também era convidado a todos
os eventos sociais importantes. Além disso, quando ele organizava um banquete ou
um baile em seu lindo palácio sobre o Rio Tejo, a elite da sociedade lisboeta
estava entre seus convidados.
O Dr. Nunez ainda era jovem quando atingiu
o auge do seu sucesso profissional e nos círculos sociais. Isso naturalmente
provocou inveja entre os seus competidores, e a Inquisição deu a eles uma
excelente oportunidade de tentar prejudicá-lo.
Embora na superfície o Dr.
Nunez fosse um católico tão bom quanto qualquer outro cristão que freqüentasse a
igreja, os líderes da Inquisição registraram os avisos dados pelos inimigos do
médico. Eles conseguiram infiltrar um "agente" na casa da família Nunez,
disfarçado de criado, para informar sobre o que acontecia no círculo
familiar.
Finalmente o agente relatou que a família Nunez estava
definitivamente praticando a religião judaica em segredo, pois todos os sábados,
eles se recolhiam a uma sinagoga nos subterrâneos do palácio, onde jogavam fora
o disfarce de cristãos e rezavam como verdadeiros judeus.
Embora os líderes
da Inquisição conseguissem prender toda a família Nunez e colocá-la na prisão,
sua alegria durou pouco, pois o Dr. Nunez era muito popular e tinha amigos
influentes entre a nobreza. Estes convenceram o rei a libertar Dr. Nunez e sua
família da prisão e permitir que se instalassem novamente no palácio como Médico
da Corte.
Geralmente o rei era completamente influenciado por seu "padre
confessor" - um sacerdote católico, mas nesse caso ele não lhe contou sua
decisão (apoiado por toda a família real), dando ordens para que a família Nunez
fosse libertada imediatamente e pudesse voltar à sua residência às margens do
Tejo.
Havia uma condição, porém, que empanava a alegria da família Nunez
durante sua libertação - dois funcionários da Inquisição deveriam residir com a
família para certificar que eles não praticavam a religião judaica. Isso,
obviamente, fez o Dr. Nunez planejar uma fuga. Mas como conseguir isso sob os
olhos sempre vigilantes dos inquisidores?
O Dr. Nunez teve uma ideia
ousada e brilhante. Organizou um banquete e convidou todas as pessoas
importantes da cidade. Entre essas havia muitos funcionários de altos cargos
que, embora suspeitassem dele no tocante à fé, ficaram felizes em aceitar o
convite para o banquete, pois era considerado um privilégio estar
presente.
O banquete terminou e o baile estava no auge quando o Dr. Nunez
mandou a orquestra parar e fez a seguinte declaração chocante:
"Meus
amigos! Tenho uma bela surpresa para vocês! Estão todos convidados a embarcarem
em meu iate, que foi preparado para o vosso prazer. As diversões da noite
continuarão ali, com o Capitão ao vosso serviço. Por aqui, Senhoras e
Cavalheiros!"
Com estas palavras, Dr. Nunez saiu da sala, e todos os
convidados o seguiram alegremente, deliciados com a surpresa.
Todos
apanharam seus casacos e, conversando com animação, embarcaram no iate que
balançava suavemente no embarcadouro do palácio.
O que os convidados não
sabiam era que uma surpresa não muito agradável os esperava. Somente uma hora
depois do embarque, eles perceberam que o iate estava se movendo! E a julgar
pela velocidade, não era um iate, mas um barco enorme. Sim, eles estavam
navegando para longe da costa de Portugal a toda velocidade, rumando para as
praias mais amigáveis da Inglaterra. Bem, amigáveis para a família Nunez. O
médico arranjara cada detalhe com a ajuda dos seus parentes, os Mendez, um dos
quais tinha se casado com a filha de Nunez. Este conseguira vender em segredo
parte de suas propriedades e outros bens, e tinha transferido o dinheiro para a
Inglaterra através de mensageiros secretos. Assim ele conseguiu contratar um
capitão britânico para levar seu barco ao Rio Tejo na noite do banquete,
preparado para receber muitos passageiros.
O Dr. Nunez assegurou aos
convidados que, assim que chegassem à costa inglesa, o barco voltaria
imediatamente com eles para Portugal. Quanto ao Dr. Nunez, os convidados tinham
de admitir que não era sua culpa o fato de ser obrigado pela Inquisição a deixar
o país que estiveram tão pronto a aceitar seus serviços e seu conhecimento, mas
não lhe permitira que ele e a família vivessem segundo sua fé e
consciência.
Conforme fora arranjado com antecedência, a família Nunez
foi transferida para outro barco que estava deixando a Inglaterra com outros
marranos a caminho da Geórgia, na América, para estabelecer uma colônia. No
verão de 1733, os Marranos, liderados pela família Nunez, chegaram a Savaná, na
Geórgia. Foram calorosamente recebidos pelo governador inglês, James Oglethorpe,
um homem tolerante e compreensivo.
Quando os administradores do
território em Londres souberam que Oglethorpe tinha doado terra aos refugiados
judeus, e que eles construíram casas e estavam bem estabelecidos, enviaram um
protesto indignado ao Governador, dizendo: "Não queremos que a nova terra se
torne uma colônia judaica!"
O Governador, porém, era um homem justo que
percebera como tinha sorte de contar com refugiados tão valiosos. O Dr, Nunez
certamente seria útil naquelas vastidões semi-desertas, pois poucos
profissionais se aventuravam a viver naquele país pioneiro. Os outros
refugiados, também, tinham levado seus ofícios e riquezas com eles, mas mesmo
que não tivessem, o bondoso Governador não tinha intenção de fazer os
recém-chegados sofrerem perseguição no novo país. Eles já tinham sofrido
bastante em suas terras de origem.
Quando os administradores em Londres
continuaram a insistir com Oglethorpe para expulsar os colonos judeus, ele
fingiu levar a ordem em consideração. Porém os registros daqueles tempos, ainda
preservados em Savaná, demonstram que não apenas ele não expulsou os judeus,
como ao contrário, concedeu-lhes ainda mais terras e privilégios.
A
História nos conta que o Dr. Nunez e sua família mais tarde se mudaram para
Charleston, na Carolina do Sul. Porém alguns membros da família permaneceram em
Savaná, cultivando as seis ricas propriedades que receberam do Governador
Oglethorpe, pelos valiosos serviços prestados à colônia pela família Nunez.
Posteriormente, o genro do Dr. Samuel Nunez mudou-se para Nova York e se tornou
o líder espiritual da recém-fundada comunidade portuguesa. Um descendente deste
ramo da família do Dr. Samuel Nunez Ribeiro foi prefeito de Nova York, Dr.
Manuel Mordechai Noah, idealizador de um dos projetos de estabelecer uma colônia
judaica na América.
Com certeza concordaremos que a família daquele nobre e
corajoso médico, temente a D'us, Dr. Samuel Nunez Ribeiro, merece um local de
destaque na História Judaica.