ESPANHA

A Idade de Ouro na Espanha 

A IDADE DE OURO NA ESPANHA

ISAÍAS RAFFALOVITCH

Depois da morte de Saadia as escolas da Babilônia começaram a declinar e, mais uma vez, a base espiritual judaica estava ameaçada de se extinguir. Mas, anteriormente à extinção total, foi preparado um novo lar para os estudos judaicos e implantado na Espanha Mourisca.

Já no décimo século encontramos um núcleo de grande atividade na Espanha, tratando-se de assuntos especificamente judaicos, inclusive ciência pura, arte e poesia. Naquele período, cresceram os mais belos frutos da cultura e da literatura judaica. O gênio judeu desenvolveu-se e cresceu sob os raios do cálido sol da cultura árabe. A língua e a poesia árabes não lhes eram estranhas, pois aos judeus se deve grande parte da sua criação. Muitos séculos antes da origem do Islam, existia na Arábia enorme população judaica, aí domiciliada desde tempos imemoráveis, até constituindo uma província autônoma, que contribuiu grandemente para enriquecer a língua e a poesia árabes. Foi fenômeno natural, portanto, terem os judeus se dirigido à Espanha, que se achava sob o domínio árabe. Aí alcançaram o auge, não no campo material, mas no da cultura. Durante gerações encontramos entre eles um grande número de sábios judeus que conquistaram fama mundial como estadistas gramáticos, poetas, filósofos e cientistas, homens esses a quem a civilização ocidental deve gratidão eterna.

O afamado pensador inglês W. E. H. Lecky, na sua História do Racionalismo, faz a seguinte observação a respeito dos judeus da Idade Média:

"Enquanto a população ambiente se revolvia nas trevas da ignorância embrutecedora, enquanto milagres fraudulentos e relíquias trapaceiras eram os temas discutidos em quase toda a Europa, enquanto o intelecto do cristianismo, subjugado por inúmeras superstições, imergiu num torpor mortal, de onde foram banidos o amor às investigações e a procura da verdade, os judeus sempre prosseguiam no caminho do saber, acumulando conhecimentos e estudos, e estimulando o progresso com a mesma constância resoluta que manifestaram na sua fé. Foram eles os médicos mais habilidosos, os financistas mais eficientes e filósofos dos mais profundos e unicamente no cultivo das ciências naturais vinham em segundo lugar, depois dos mouros. Foram eles os intérpretes e mediadores entre a Europa Ocidental e a Ciência Oriental".

Com Hasdai ibn Shaprut, Ministro das Relações Exteriores do Califa Abd Er Rahman, de Córdova, no século X, alvoreceu uma nova era literária. Foi então que começou a surgir a tendência para o que modernamente se chama de cultura leiga, tendência essa que ia-se desenvolvendo aos poucos e nunca cessou de evoluir. Foi o primeiro a publicar um trabalho científico sobre botânica. Estimulando o estudo em geral e a poesia em particular, foi ele, como então se dizia, quem "abriu os selados lábios da Musa Hebraica". Sob a sua influência, Córdova tornou-se o centro da atividade judaica nos campos da gramática e da poesia.

Meio século mais tarde apareceu um outro protetor dos estudos na pessoa de Samuel Ibn Nagdela, a quem os judeus cognominaram "Príncipe". Era, a um só tempo, Vizir do rei de Granada, Rabino da Comunidade, além de poeta distinto. A sua "Introdução ao Talmud" é ainda hoje considerada um trabalho exemplar. Afora uma grande coleção de poemas sobre vários assuntos, deixou dois trabalhos que contêm hinos e máximas calcados sobre os Salmos e o Livro dos Provérbios.

Quando Samuel, o "Príncipe", faleceu - em 1005 - a Idade de Ouro da literatura espanhola já se vislumbrava. Os maiores poetas hebraicos daquele período Ibn Gabirol, os Ibn Ezras e o inimitável Iudá Halevi, já se entreviam no horizonte.

Eram não somente poetas como também filósofos, cuja influência sobre o pensamento medieval foi das mais profundas. Ibn Gabirol foi o primeiro a introduzir o Neo-Platonismo na Europa. A sua obra A Fonte da Vida tornou-se uma das fontes mais importantes do escolasticismo cristão, enquanto o seu grande poema A Coroa Real se acha incorporado na liturgia judaica.

O mais sublime poeta hebreu desde quando os judeus "penduraram as suas harpas nos salgueiros dos rios da Babilônia" foi Halevi. Imortalizou-se ele com os seus Cantos de Sion, nos quais atingiu os pontos mais culminantes do êxtase divino. Mas cantou também assuntos leigos, o amor, o vinho e outros bens terrenos. Também é afamado pela obra filosófica O Cuzari.

Um dos maiores judeus da Idade Média foi Abraam Ibn Ezra, que até hoje ocupa um lugar de honra entre os melhores comentadores da Bíblia. Talvez seja o pai, por assim dizer, da moderna crítica da Bíblia. Foi o primeiro a perceber e a afirmar que o Livro de Isaias contém a obra de dois profetas. Já demonstrei, em um outro trabalho, que grande foi a sua influência sobre Spinoza.

Outro célebre comentador, que veio depois, foi Davi Quimhi, de Narbona, conhecido como Radac. Os seus comentários da Bíblia grangearam autoridade entre os sábios cristãos de todos os tempos, chegando a exercer influência direta sobre a Reforma. O seguinte dito tornou-se popular entre os estudiosos: Sem Quimhi não há Torá... Além disso, escreveu sobre assuntos de gramática e lexicografia. Ao mesmo tempo apareceu a primeira obra sistemática sobre ética, sob o nome de Deveres do Coração, baseada no Talmud e nas noções filosóficas correntes naqueles dias e escrita em árabe pelo juiz Bahia ibn Pecuda, obra essa que mesmo em nosso século ainda não perdeu o seu valor ético. Este trabalho foi traduzido para o hebraico e outras línguas. É o devocionário mais inspirado na literatura judaica, sendo o mais favorito dos que procuram edificação espiritual.

Estes poucos, de um grande número de poetas e filósofos que influenciaram não somente a cultura dos seus contemporâneos, não se contentaram em escrever unicamente em hebraico. Cantaram também em árabe e em espanhol, e algumas das suas obras obtiveram tão alta cotação que comentários foram escritos por não-judeus acerca dos seus trabalhos, como, por exemplo, Os Divães, de Moisés ibn Ezra e Iudá Halevi; as Parábolas, de Ibn Gabirol, foram traduzidas por Iudá ibn Tabon do original árabe.

Todos estes poetas, filósofos e gramáticos foram, porém, quase inteiramente eclipsados pelo maior luminar do judaísmo, cujo aparecimento no século XII marcou o ponto culminante no judaísmo medieval: Moisés ben Maimon - Rambam - ou Maimônides. Nasceu em Córdova, em 1135 e faleceu no Egito (em Fostat), em 1204. Foi o maior sábio que o povo judeu produziu. Como os antigos Rabis, não viveu da sua pena. Era um médico de grande fama e estava a serviço do Sultão Saladin. Recusou o lugar de médico de Ricardo, Coração de Leão, da Inglaterra. É de observar que Maimônides não foi o primeiro, mas sim um de uma série de médicos judeus que, praticamente falando, deram ao mundo a Medicina. Por exemplo: Sahal e seu filho Abu Alhassan, no século IX, que expôs ao mundo o Almagesta, de Ptolomeu; Isaac ben Salomão Israel escreveu, em árabe, também no nono século, obras sobre dietética e urinoscopia que foram traduzidas ou resumidas em outras línguas.

Rambam também escreveu muito sobre assuntos médicos. Publicou um resumo dos dezesseis livros de Galeno. Segundo o Mercurial, as obras de Rambam estão na mesma altura das de Hipócrates. Seu primeiro grande trabalho no campo judaico foi o Comentário da Mishná, escrito em árabe e mais tarde traduzido para o hebraico. Sua fama, entretanto, é devida ao monumental trabalho A Mão Forte, que é uma obra prima. Pela primeira vez a ordem e a lógica foram introduzidas na literatura religiosa dos judeus. Toda a massa dos Talmuds, Tossafta e dos escritos dos Gaonim, foi reduzida a dezesseis livros em ordem sistemática e metódica, de maneira a formar um verdadeiro código. Outro trabalho de enorme importância, que o tornou célebre no mundo escolástico, foi o Guia dos Perplexos, que de um lado se baseava no sistema aristocrático e de outro na firme fé na Sagrada Escritura e na Tradição. Como muitos outros haviam feito anteriormente, Maimônides procurou reconciliar a Fé com a Razão, provando a compatibilidade das idéias filosóficas com os princípios religiosos. Foi o primeiro a preconizar explicações racionais para os preceitos do Pentateuco. Este livro foi pouco depois traduzido para vários idiomas, tendo muitos comentários e provocando alarido no meio teólogos e metafísicos. Estudado não somente por judeus, mas também por maometanos e cristãos, principalmente pelos escolásticos como Tomás de Aquino e outros.

A veneração do povo por Maimônides foi tão grande, que após a sua morte nasceu o seguinte ditado: De Moisés até Moisés não existiu ninguém igual a Moisés.

Como tendo integrado o mesmo período, convém lembrar o grande astrônomo Abraão bar Hanassi, que no século XI escreveu obras importantes sobre astronomia, utilizadas pelos seus contemporâneos para o estudo dessa ciência.

FONTES JUDAICAS -  ORGANIZADOR PROF MARCIO RUBEN
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