CULTURA SÍRIO-PALESTINENSE
Esfera Cultural Sírio-Palestinense
ESFERA CULTURAL SíRIO-PALESTINENSE
A. MENES
As escavações também nos trouxeram material mais ou menos abundante a respeito dos vizinhos diretos de Israel e Judá; os povos da Palestina e da Síria. Antes de mais nada releva lembrar as Tábuas-Amarna (século 14 A.C.), descobertas no Egito na aldeia de Tel-Amarna. Entre outras coisas foi ali achado avultado número de cartas, dirigidas por príncipes cananeus ao governador-mor do Egito, as quais nos dão uma idéia sobre as condições da Palestina antes da imigração judaica. As Tábuas-Amarna ainda foram redigidas na escrita e língua babilônicas - aliás um depoimento do vasto influxo babilônico no antigo Oriente. Por uma série de observações feitas sobre os textos babilônicos, pode-se verificar que já naquela época falava-se em Canaã um dialeto hebraico. Os remotos habitantes da Palestina achavam-se portanto idiomaticamente próximos dos filhos de Israel, o que aliás fica também confirmado pelos freqüentes nomes hebraicos das cidades cananeas (Bet-El, Quiriat-Sefer e outras). Esses textos, ultimamente achados em profusão, demonstram que na realidade não há grande diferença entre o idioma fenício (cananeu - os fenícios eram cananeus) e o hebraico antigo. O ambiente cultural sírio-palestinense também se destacou pela sua própria escrita - um sistema alfabético que mais tarde foi aceito pela maioria dos povos civilizados.
O mais antigo monumento escrito em alfabeto fenício-hebraico é a inscrição no sarcófago de Ahiram, descoberto em 1923, em Biblos (séculos 12-13 A.C.).
Muito mais importantes ainda são os textos, ultimamente descobertos (a partir de 1929) no norte da Síria, perto de Minet-El-Beida, não distante de Lataica, onde ficava, no segundo milênio da era cristã, a cidade portuária de Ras-Shamara, ou Ugrit. Os textos de Ras-Shamara datam mais ou menos do século 14 A.C., e são escritos em caracteres cuneiformes babilônicos. Mas o curioso é que esses caracteres cuneiformes possuem um significado bem diverso, e que nos apresentam um sistema alfabético inteiramente novo, até agora desconhecido, constante de 28-29 letras.
A linguagem dos referidos textos é um antigo dialeto fenício-hebraico, com certa propensão para o aramaico. Além da descoberta de um novo alfabeto, na esfera cultural sírio-palestinense - o que demonstra quão forte era ali o anseio por libertar-se da tutela espiritual da Babilônia - os textos de Ras-Shamara ainda possuem, pelo seu conteúdo, alto valor cultural-histórico. Afora uma série de textos rituais, foram ali também achados alguns poemas mitológicos, que nos fornecem uma visão do ambiente divino da antiga Fenícia; da imaginação religiosa dos cananeus.
Embora a sua concepção religiosa do mundo seja bem diversa do que a da Bíblia, podem-se entretanto observar certos pontos de contacto, que nos provam a influência da cultura fenícia sobre Israel. Outrossim, foi descoberto, no meio daqueles textos, um Poema-Daniel, por onde se pode verificar que o vulto bíblico de Daniel tem sua origem numa fonte fenícia mais antiga. Disso, parece, já tinha conhecimento o profeta Ezequiel, ao dirigir-se ao rei Ciro com esta interrogação: "Porventura és tu mais sábio que Daniel?"
Parece verossímil que nos textos ras-shamaricos mencionam-se as tribos israelitas de Asher e Zebulun. Bem intensa era a influência fenícia sobre o ritual judaico de sacrifícios. Cumpre salientar de passagem que o Templo de Salomão foi construído com cooperação e segundo os planos de artistas fenícios. Por outro lado, é muito problemático, se o nome de "Io-Elet", encontrado num pequeno fragmento de um texto religioso, se refira ao mesmo nome de "Jehová" das Escrituras Sagradas.
Em geral é preciso frisar que a adaptação científica dos textos ras-shamáricos ainda se acha em estado embrionário; a interpretação e o sentido de muitas passagens ainda não foram bem esclarecidos, e apesar do seu indubitável alto valor, apresentam-nos por enquanto mais problemas que soluções.
Monumento histórico de alta importância, na esfera cultural sírio-cananea, constitui a Pedra-Mesha (letreiro em hebraico), encontrada no antigo Moab. O rei moabita, Mesha, aliás mencionado na Bíblia, reinou nos tempos de Jeoram-Ben Ahab, isto é, pelo ano de 850 A.C. Nesse monumento descreve Mesha a penosa situação em que se achava o seu país, quando obrigado a pagar tributo aos reis de Israel; como libertara o país do domínio estrangeiro e chegara até a conquistar uma parte da antiga região de Israel.
A declaração de Mesha, rei moabita, confirma e completa as referências do livro bíblico Reis, e nos fornece algumas informações de real valor a respeito das condições da Transjordânia daquela época.
LETREIRO DA PEDRA MOABITA
- Eu sou Mesha, filho de Quemosh (Gad), rei de Moab, de
- Dibon. Meu pai reinou sobre Moab trinta anos e eu me
- tornei rei após meu pai. Preparei este Santuário para Quemosh, em Quirha (um santuário de)
- Josué. Porque ele me amparou em todas as minhas tribulações (?) e deixou-me ver a derrota de todos os meus inimigos. Omri
- era rei de Israel, e ele maltratou Moab muito tempo, porque Quemosh irou-se contra o
- seu país. E depois dele reinou seu filho, e este também enunciou: "hei de torturar Moab", nos meus dias ele (o) enunciou
- E eu vi vingança nele e na sua casa. E Israel está abandonado para todo o sempre. Omri subjugou a terra de
- Mehedeba. E aqui ficou residindo durante o tempo de seu reinado e uma parte do reinado de seus filhos, quarenta anos, e
- durante o meu reinado aqui habitava Quemosh. E eu edifiquei Baal-Meon e construí ali o depósito de água, e edifiquei
- Quiriathan. Os homens de Gad habitavam na terra Ataroth desde tempos remotos, e para si próprio o rei de Israel construiu
- Ataroth. E eu invadi a cidade e subjuguei-a. Matei todo o povo da
- cidade, deleite para Quemosh e Moab. Levei de lá o altar de Dodhe, e
- arrastei-o até Quemosh, em Quirioth. Povoei ali os homens de Sharon e os homens
- de Meheroth. E Quemosh falou-me: "Vai tomar Nebó de Israel". E eu
- fui de noite e pelejei desde a madrugada até o meio-dia. E
- eu tomei-a. E matei todos, sete mil homens e meninos e mulheres e
- meninas e servas. Porque os tinha devotado a Ashtor-Quemosh. Levei dali
- os vasos de Jehová e os arrastei até diante de Quemosh. O rei de Israel construiu
- Iahatz e ali se instalou, quando guerreou comigo. Mas Quemosh expulsou-o da minha frente. E eu
- tomei a Moab duzentos homens, todos chefes (?) e eu os levei até Iahatz e subjuguei-a.
- a fim de anexá-la a Dibon. Edifiquei Quirsha, a parede do bosque e da
- fortaleza. Construí as suas portadas e construí a sua torre, e
- construí o palácio real, e construí o reservatório (para água) no centro
- da cidade. E não havia cisterna em Quirsha, e eu falei ao povo todo:
- Cave cada qual para si um poço para água em sua casa. E mandei cavar poços por prisioneiros
- de Israel. Construí Eror, e abri a estrada de Arnon.
- Ergui Beth-Ramoth, pois estava destruída. Reconstruí Batzer, porque estava em ruínas
- ... Cinqüenta homens de Dibon, porque Dibon toda está mobilizada. E rei-
- nei... sobre cem cidades, unindo-as ao meu país. E construí
- Mahadba, e Beth-Davalton e Beth-Baal-Meon e tomei ali...
- as ovelhas da terra. E Hurgon, onde residia...
- Aqui falou-me Quemosh: "Vai guerrear contra Hurgon", e eu fui
- E Quemosh instalou-se aqui no meu tempo
- ...E eu...